Wednesday, May 21, 2014

Querido Parlamento Europeu,

Não gosto de poder, mas quero poder crer que lhe posso dizer o que eu bem entender.

Escrevo-lhe em português, que é a minha língua, e aparentemente uma das suas também. Escrevo-lhe por entender que me vai entender sobre esta questão do poder. O que é isso do poder? Uma forma de controlar a nossa vontade por cima da dos outros, isto aos humanos, que aos animais é apenas o exercício de uma força maior sobre uma força menor, já que nas plantas não haverá muito raciocínio sobre isso, apenas o poder de existir mais e perdurar mais longe, o que também é uma forma de poder.

Somos quase 500 milhões de europeus, e apesar de muitas serem as línguas que falamos, e ainda mais as que ouvimos, todos estaremos de acordo sobre a importância da palavra poder. E quem representa o poder dos europeus? Segundo o tratado de Lisboa cabe-lhe a si essa honrosa tarefa, dividida com a Comissão Europeia e com o Conselho Europeu. A honrosa tarefa de representar o povo europeu nas suas múltiplas cinco centenas de milhões de opiniões.

Terão os europeus a vontade de lhe ceder o poder? O povo escolhe os seus eleitos e os seus eleitos representam as decisões do povo. Sendo assim, será seu o poder de mandar em nós europeus nos próximos cinco anos? Não o quero assustar, mas ter poder sobre tanta gente deve lhe dar calafrios de responsabilidade. Pelo menos a mim daria, mas eu não gosto de poder, como lhe disse antes.

Eu posso não gostar de poder, nem de entender essa coisa da Europa como um clube de democracias, países, povos, clubes que lutam numa espécie de liga dos campeões para decidir quem ganha a taça. Umas vezes ganha um clube vermelho, outras, um azul, e ainda outra, mas menos, um amarelo. Mas pelos vistos só um pode ganhar e mandar, á vez. Aos clubes da Europa agrada-lhe essa competição por taças e medalhas de ouro. Mesmo uma menção honrosa pode ser disputada como se de um campeonato do mundo se tratasse.

Deve estar agora a perguntar-se qual é o assunto desta carta? Nenhum, respondo-lhe eu. Não tenho assunto sobre poderes institucionais, mas acredito que a democracia também é opinar e representar uma vontade, mesmo que de não poder. Eu sei, é coisa estranha, a democracia, em que um povo (qualquer que ele seja) pode opinar e decidir não ter um assunto definido, não querer votar ou participar. Mas essa é a beleza da democracia, a deriva das opiniões. O inseguimento de uma opinião única define o nosso sistema e é uma trabalheira para o controlar, mas essa é a vontade do seu povo, ser incontrolavelmente opinativo.

Mas como se pode controlar a opinião de um povo, ou a sua decisão sobre a quem dar o poder? Imaginei essa sua pergunta com a candura de um qualquer corredor alcatifado, ou até num elevador musicado com versões panpipe das suas províncias, perdão, estados membros, mais exóticos. Pode, é a minha resposta. Deixe-nos opinar indeterminadamente, que nunca chegaremos a uma conclusão coletiva a favor ou contra. Parece cruel? Não é, se comparado com o que havia antes de si na Europa, por isso não se preocupe, alegre-se e tome posse daqui a umas semanas. Já falta pouco para que as opiniões sobre si parem e o poder do silêncio se instale.

Quero por isso exercer aqui o direito de me marimbar. Como lhe disse, não gosto de poder mas lá que posso não gostar dele, posso.


Atentamente,
Gustavo Sorbene (Eurocético e aluno de Relações Internacionais)
21 de Maio de 2014

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