Friday, April 4, 2014

Querido Filho,

Não te preocupes, que não estou chateado contigo.

Compreendo a tua viagem para esse sítio frio onde estás agora, feio e escuro, mas onde tu podes ser mais feliz do que aqui. Compreendo que tenhas saído daqui à pressa, sem grandes planos do que te vai acontecer a seguir. Compreendo que tenhas entrado naquele avião, com lágrimas de quem tem torcicolos de saudade. Compreendo e não estou chateado contigo.

Como sabes, o meu nome é Arménio, como o teu bisavô, que emigrou para França, para trabalhar na Rue Duperré. Mas sou também Jorge, como o meu pai, que emigrou para a Suíça para ganhar a vida nas estradas de Basel Stadt. Sou assim Arménio Jorge, filho e neto de emigrantes.

Como tu, sou filho e neto de homens que tiveram de partir, um deles já era casado e pai de filhos, e o outro casando à pressa levou a tua avó com ele. Não nasci fora do país, porque a minha mãe não era feliz por aqueles lados. Tinha sido professora de francês e aquilo de lavar pratos num restaurante em que todos falavam alemão, provocava-lhe ruídos na motivação. Se hoje ainda sou português, a responsabilidade é dela.

Gosto de pensar que somos todos emigrantes, meu filho. De alguma forma, nascemos num sítio, passamos por outros e na maioria das vezes escolhemos um local muito diferente para fazer a nossa vida. Tantos foram os que partiram e foram felizes nas suas descobertas, que eu quero acreditar que és apenas mais um nessa gigantesca linha de emigrações.

Eu nunca emigrei, mas imagino um nosso tetravô a emigrar para a Índia, um outro antepassado no Brasil e vários a tentarem a sua sorte em África. Apesar de não sermos muitos, nós na nossa família sempre emigrámos, talvez seja essa a nossa vocação, nascermos aqui e espalharmo-nos por todo o lado. Nisso tu, ao contrário de mim, estás a seguir a tradição familiar.

A mim, interessa-me (e muito) os acasos que me fizeram a mim. Entre idas e voltas, lutas por melhores oportunidades, sou o somatório de muitos acasos. Nem sei se o meu pai teria casado com a minha mãe se não tivesse pressionado por uma partida inesperada para a Suíça.

Mas mais uma vez te digo, querido filho, não estou chateado contigo. Partiste e, de uma maneira ou outra, hás-de voltar. Se não for nesta geração, talvez numa próxima e mesmo ao acaso, fará tudo sentido para os que virão depois de ti. Nisso, o universo fez-nos a todos presentes de muitas emigrações.

Sê feliz, serás sempre bem vindo,
Arménio Jorge (Técnico de Aeronáutica)
4 de Abril de 2014

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