Não te preocupes, que
não estou chateado contigo.
Compreendo a tua viagem
para esse sítio frio onde estás agora, feio e escuro, mas onde tu
podes ser mais feliz do que aqui. Compreendo que tenhas saído daqui
à pressa, sem grandes planos do que te vai acontecer a seguir.
Compreendo que tenhas entrado naquele avião, com lágrimas de quem
tem torcicolos de saudade. Compreendo e não estou chateado contigo.
Como sabes, o meu nome é
Arménio, como o teu bisavô, que emigrou para França, para
trabalhar na Rue Duperré. Mas sou também Jorge, como o meu pai, que
emigrou para a Suíça para ganhar a vida nas estradas de Basel
Stadt. Sou assim Arménio Jorge, filho e neto de emigrantes.
Como tu, sou filho e neto
de homens que tiveram de partir, um deles já era casado e pai de
filhos, e o outro casando à pressa levou a tua avó com ele. Não
nasci fora do país, porque a minha mãe não era feliz por aqueles
lados. Tinha sido professora de francês e aquilo de lavar pratos num restaurante em que todos falavam alemão, provocava-lhe ruídos na motivação. Se hoje ainda sou
português, a responsabilidade é dela.
Gosto de pensar que somos
todos emigrantes, meu filho. De alguma forma, nascemos num sítio,
passamos por outros e na maioria das vezes escolhemos um local muito
diferente para fazer a nossa vida. Tantos foram os que partiram e
foram felizes nas suas descobertas, que eu quero acreditar que és
apenas mais um nessa gigantesca linha de emigrações.
Eu nunca emigrei, mas
imagino um nosso tetravô a emigrar para a Índia, um outro
antepassado no Brasil e vários a tentarem a sua sorte em África.
Apesar de não sermos muitos, nós na nossa família sempre
emigrámos, talvez seja essa a nossa vocação, nascermos aqui e
espalharmo-nos por todo o lado. Nisso tu, ao contrário de mim, estás
a seguir a tradição familiar.
A mim, interessa-me (e
muito) os acasos que me fizeram a mim. Entre idas e voltas, lutas por
melhores oportunidades, sou o somatório de muitos acasos. Nem sei se
o meu pai teria casado com a minha mãe se não tivesse pressionado
por uma partida inesperada para a Suíça.
Mas mais uma vez te digo,
querido filho, não estou chateado contigo. Partiste e, de uma
maneira ou outra, hás-de voltar. Se não for nesta geração, talvez
numa próxima e mesmo ao acaso, fará tudo sentido para os que virão
depois de ti. Nisso, o universo fez-nos a todos presentes de muitas
emigrações.
Sê feliz, serás sempre
bem vindo,
Arménio Jorge (Técnico
de Aeronáutica)
4 de Abril de 2014
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