O meu pai diz que foste
tu que nos deste a liberdade.
Eu disso da liberdade
nunca entendi bem como se pode roubar ou retirar a alguém. Eu tenho
para mim que a liberdade existe sempre mas, como ainda não te disse,
nasci depois do 25 de Abril. Da liberdade, aprendi na escola que só
ela só acaba quando começa a dos outros. Da liberdade aprendi que a
bófia ta pode tirar, se não correres depressa o suficiente, e mais
recentemente que o meu banco é que a tem toda.
Eu nasci aqui, no
Hospital de Santa Maria, mas o meu pai não. O meu pai é de Figueira
Pavão que fica na ilha do Fogo de Cabo Verde, acho que nunca lá
foste. Nem eu lá fui, mas o pai lembra-me sempre que eu também sou
foguense ou que somos de Djarfogu, como ele lhe chama. Eu, sou do
Barreiro, que é como dizer que não sei bem de onde sou, mas acho
que isso não importa nada agora.
Não estudei muito,
porque os stores sempre acharam que eu falava de mais, e de tanto
ouvir Gelson para a rua! Fartei-me daquilo e fui mesmo para a rua. Ao
início, o meu pai queria muito que eu arranjasse um trabalho que
fizesse de mim um homem como ele. Electricista é o que ele foi a
vida toda, e é normal que desejasse o mesmo para mim.
Escrevi paredes por todo
o Barreiro, da CUF a Samora Correia, o Gelson ou DJFogu como gostava
de ouvir que me chamassem, estava assinado em tudo o que era local
para que me vissem. E viam. Viam os amigos e os inimigos. Tantos eram
mais os segundos que um dia a Bófia correu atrás de mim e mandou-me
para a choldra. Foram só dois meses, querido Salgueiro Maia, dois
meses em que decidi muita coisa para fazer dali para a frente, mas
acho que isso não importa nada agora.
Saí com a decisão de
ouvir o meu pai, que nunca me criticou nem atazanou. O pobre do homem
nem tempo tinha para isso com dois trabalhos, um para pagar a água e
outro para pagar a luz, como costumava
dizer. Se calhar foi aqui que ele me falou de ti, um dia a ver
televisão num programa da RTP2.
Desculpa a confiança,
nunca te conheci, mas estou sempre a cruzar-me contigo. Da tua
estátua em Santarém, onde fui com a minha escola no 9º. ano. Do
teu círculo no Largo do Carmo, onde fui uma vez com o meu pai, à
tua imagem pendurada do arco da Rua Augusta, onde estive com o meu filho no domingo passado. Não te conheci mas lembrei-me de ti
agora, porque o meu pai já não está cá para me lembrar isso da
liberdade.
Ouvi dizer que entraste
na revolução quase que por acaso, que não sabias bem ao que ias,
mas que foste. Que ficaste horas à espera que aquele senhor, da
primavera que não passou só disso mesmo, saísse do quartel do
Carmo. Que fizeste aquilo tudo mas que voltaste para casa sem pedir
nada em troca, mas acho que isso não importa nada agora. Que de
ninguém te conhecia, ao falar pouco e ao deixar de falar logo a
seguir, foste um herói. Não por seres especial, mas por seres
normal, por seres como eu e todos os outros somos, ou como diz na
Wikipédia, por teres atributos normais necessários para superar de
forma excepcional um problema de dimensão épica.
Por isso quero te
perguntar, o que é então a liberdade? Sei que não vais responder,
mas eu vou continuar a perguntar.
Abraço meu, e do meu
filho Ricardo
Gelson Ataíde
(Trabalhador da C.M. do Barreiro)
22 de Abril de 2014
Esta é a verdade que sinto todos os dias e o Salgueiro Maia um dos Capitães de Abril que estará sempre no meu coração.A liberdade´para mim tem a ver com a liberdade que cada um de nós pode ter para fazer tudo,com o limite de não prejudicar a liberdade dos outros.Liberdade é poder dizer e escrever tudo o que sente..Um abraço para si.
ReplyDelete