Friday, February 28, 2014

Querida Segurança Social,

Olá, tudo bem? Sou eu novamente. Espero que não leves a mal a proximidade, mas de facto temos falado tantas vezes nestes últimos dias, que acho que já não consigo tratar-te por você. Não leves a mal, mas esta carta ficou um pouco comprida, mas não podia deixar de te agradecer, desde já, a aventura de hoje :-)

Ontem 17h44
Descobri que era possível alterar o teu escalão de contribuições mensais, através do facebook de um sindicato (Eu bem sabia que um dia iria dizer isto.). Claro que isso altera a minha carreira contributiva, dizem eles. Qual carreira contributiva? Penso eu. Não posso passar esta oportunidade de ter uma prestação que, de facto, te consiga pagar. Porque pelos vistos o ano passado correu-me mesmo muito bem, pelo menos é a tua opinião.

Hoje 16h52
Liguei-te, e apesar do imediato remake do fetiche stôra do secundário com colar de pérolas branco plástico (Vide crónica anterior.), concentrei-me na pergunta. Podes ajudar-me a alterar o meu escalão de contribuição mensal? Posso, basta preencheres corretamente o formulário RV1000-DGSS, imprimires e enviares por correio registado, não pode é ser por mail. Ou é por correio registado entregas numa das minhas delegações. Óptimo, disse-te. Mas o prazo acaba hoje, disseste tu, e nós e os Correios geralmente fecham às 17h.

17h00
Preencho o formulário RV1000-DGSS, enquanto (Sim, consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo.) pesquiso o site dos CTT para descobrir o horário da estação de correios mais perto. Não me distraio com a descoberta de que o site dos CTT e o teu foram feitos pelo mesmo talentoso programador, e guardo o PDF alguns segundos antes de descobrir que os correios que me interessam (E não todas as outras 20 000 estações que eles dizem que andam a fechar mas que ainda lá estão.) fecham às 18h.

17h01
A stôra, desculpem, tu disseste-me tudo, menos a morada para a qual eu devia enviar a tal carta registada. Onde está a morada? Em lado nenhum. Ligo de volta para o teu 800 266 266 (Escrevi de cor, vê lá.) e oiço: Este serviço encontra-se encerrado.

17h02
Não sou de desistências e esta coisa de fechar e abrir actividade irrita-me um bocado, não leves a mal, mas não sei mesmo se tenho ou não trabalho todos os meses. Eu quero pagar-te, minha querida, só quero é conseguir pagar-te, por isso ajuda lá um bocadinho e reduz-me essa prestação do tamanho de uma prestação de casa, para uma prestação do tamanho de uma prestação de carro em terceira mão.

17h03
Um minuto depois lembrei-me. A cunha! Liguei-lhe e pedi-lhe ajuda. Não fiques chocada, todos temos cunhas, conhecidos, ou amigos que nos podem ajudar num momento de aflição. A minha cunha, que é boa pessoa e gosta muito de mim, falou com a doutora que lhe disse para enviar para uma morada que não está em lado nenhum, e sem me poder esquecer de mencionar Serviço de Trabalhadores Independentes. Isso gosto, sou independente e com orgulho.

INTERVALO - Fui fazer xixi, e nisso passei alguns minutos.

17h10
Passei o ficheiro para uma pen (Não, não tenho impressora.)
E avancei para a Babilónia, a minha querida Babilónia. Entrei na primeira papelaria que vi, e em que três indianos ao verem-me stressado me perguntaram o que se passava. (Era um pai, uma filha e um genro.) Foram tão rápidos a imprimir as duas folhas do formulário, que até me ofereceram o envelope, que eu me ia esquecendo de pagar. Eles são mesmo melhores que nós, não são? Tão queridos, ofereceram-me um envelope :-)

17h51
Olhei para o relógio e se calhar demoraram mais do que queria admitir, mas isso não importa, sai da papelaria a correr pelas ruas onde costumo correr, o que é um pouco constrangedor quando não tenho vestidas as collants e o gorro de correr e entrei na estação de correios a perguntar: Posso entrar? Pode, estamos abertos até às 18h30. Obrigado site dos CTT :P

18h03
Sou atendido, com o envelope já preenchido, repondo às perguntas imprevistas: Quer correio registado, ou correio registado com aviso de recepção? Qual é o mais caro? O do aviso. Então é esse que quero, porque não quero sofrer com a poupança imediata uma falta de poupança a médio prazo. Que seria a consequência de esta carta não chegando ao destino, traria à minha carteira. €2,60 pagos, saio dos correios e pela primeira vez respiro fundo, desde que tinha feito xixi às 17h08.

18h13
Respirando fundo, decido ligar à cunha. Correu tudo bem, está entregue e a horas, não precisa de se preocupar. Ainda bem, responde a cunha, mas a doutora ainda me disse outra coisa: É melhor enviar um mail para confirmares que a carta chega ao destinatário.

18h26
Escrevo isto, fumo um cigarro, e ainda não encontrei o endereço de mail no teu site. Se puderes liga-me de volta quando leres esta carta, ou então envia-me um mail.

Beijinhos, voltamos a falar em breve
Pedro Saavedra (um artista português)

28 de Fevereiro de 2014

Monday, February 24, 2014

Querida Segurança Social,

Fazes-me sentir inseguro sempre que me dá “vontades de”. 

E sempre que me dá “vontades de” e vou à tua procura, tu sabes ouvir-me e acalmar-me. Mesmo que o assunto seja a minha insegurança por te ter pago a mais, tu sabes ouvir-me e dizer-me coisas que resolvem. 

Atendes-me sempre o telefone com um novo nome, mas a cara que te imagino é sempre a mesma cara, de quem envelheceu demasiado depressa, de quem tem cara com ar de quem só quer sair dali para apanhar ar, não é verdade? 

Tens muitas caras mas sempre o mesmo sorriso de dentição adse, o mesmo figurino final Primark anos 90, e o mesmo colar de pérolas branco plástico, sempre com o teu penteado mise corrida mal, cumpres sempre o meu antigo fetiche de stôra do secundário. 

Combinámos encontro e lá estavas tu à minha espera, sempre com aquela cara de quem envelheceu demasiado depressa, sempre com aquele ar de quem só quer sair dali para apanhar ar, sempre com o sorriso de dentição adse, o figurino Primark final anos 90, o colar de pérolas branco plástico, e o teu penteado mise corrida mal. Cumprida a expectativa resolvi a “vontades de” e saí. 

Hoje estive dentro de ti, novamente, pela primeira fui por marcação e apesar de já ter estado em filas para te visitar, cheguei inseguro e sai seguro. Obrigado por me teres atendido, se reparares deixei gorjeta no globo de vidro da entrada. 

Até à próxima, Bjs. 
Pedro Saavedra (um artista português) 
24 de Fevereiro de 2014

Wednesday, February 12, 2014

Querido Tiago Pereira,

Ontem estive sentado em cima de uma mesa, num daqueles sítios onde tu trabalhas agarrado a um monitor de capa maçã, e senti-me feliz.

Feliz por ver o teu trabalho.
Feliz por ver aquela sala cheia.
Feliz por ver as pessoas que tu encontras.
Feliz por me lembrares os meus bisavós em São Braz de Alportel.
Feliz por ser português.
Feliz por ser teu amigo.

Ontem de tão feliz que estava esqueci-me de coisas que não importam.

Que não importa não ter um emprego.
Que não importa saber que outros têm um emprego.
Que não importa saber que há países com mais dinheiro.
Que não importa não saber já do futuro.

Para os que não te conhecem, é importante dizer que nos últimos anos recolhestes, regravaste e remisturaste a música portuguesa ao ponto de ela voltar a gostar de si própria.

Que importa gostarmos do que somos antes de mudarmos o mundo.
Que importa sermos nós antes de nos compararmos aos outros.
Que importa dizer coisas parvas quando gostamos de alguma coisa, mesmo, mesmo muito.

Agora já sei do que tu vives, tu vives dos portugueses e daquilo que, aconteça o que acontecer, os portugueses vão continuar a ser: Portugueses.

Desculpa, qualquer coisinha, mas tinha de te dizer isto,
Pedro Saavedra (um artista português)
7 de Fevereiro de 2014

Monday, February 3, 2014

Querida Fama,

Como não te conheço muito bem, vou tratá-la por você.

Venho por este meio pedir-lhe amizade, não porque tenhamos algo em comum, mas porque quero mesmo que goste de mim antes de nos conhecermos. Correndo o risco de parecer arisco, tenho medo de a encontrar num qualquer beco escuro, antes ainda de a conhecer, e isso vejo que muito mal faz, a quem lhe acontece o mesmo. Repare:

Sou uma espécie de artista, que vive das oportunidades que vão surgindo, dos aquis e alis do mercado de trabalho, das coisas que me aparecem no caminho. Não me queixo disso, apenas acho que se me quiser ajudar, é melhor dar-me mais tempo antes de me tratar já por tu. Nem que seja só para não me assustar.

Já a vi a si uma ou duas vezes em locais artísticos, no fundo já nos cruzamos várias vezes. Uma vez apertámos a mão e trocámos números, mas nunca me chegou a ligar, agradeço-lhe por isso. Nunca se sabe se nessa altura eu teria a capacidade de discernir da nossa rápida amizade, é que eu sou dos que se apaixona facilmente.

Não minto, gosto da maneira como apesar de podermos ser baixos e gordos, a Fama, nos pode fazer sentir altos e magros. De como desinteressantes e insonsos nos pode apresentar como seres luminosos e imprescindíveis, mas isso dá-me medo. Amigos tenho, que da rapidez desse encontro, de coração partido ficaram.

Sei que a Fama é exigente, mas não entendo porque é quer todo o tempo para si. Porque é tão ciumenta, porque é tão voraz. Quer tudo para si, e quando parte, deixa um horrível vazio. Sei até de casos em que a sua partida faz o tempo voltar atrás, ao início antes do primeiro encontro consigo.

Deixe-me por isso ser primeiro uma pessoa interessante, não para si, mas para aqueles outros amigos que vão gostar de mim, antes, durante e depois de você me aceitar amizade.

Comprometo-me assim, a não reinventar uma palavra, ou a brincar com uma qualquer frase do senso comum, a emagrecer ou engordar só para ser seu amigo.


Com os melhores cumprimentos,
Pedro Saavedra (um artista português)
3 de Fevereiro de 2014

Querida Babilónia,

É com muito amor e respeito que te escrevo. Sempre te imaginei como o meu centro comercial preferido, desde adolescente que viajo pelos teus corredores, sempre à espera de soluções para os meus problemas. Nos teus corredores instalaste todas as línguas do mundo conhecido, e nelas sempre me senti a viajar por mares nunca antes navegados. Muitas personagens e histórias me ofereceste, por isso é justo que agora te agradeça a melhor das personagens.

A jeito de coincidência, ou não, na passada sexta-feira fui à festa dos 30 anos da minha querida escola secundária da falagueira. Nessa festa, onde pude reencontrar um colega do 9ºano, que insistiu em reconhecer-me de ocasiões que adorava nunca recordar, deixei cair o meu i-phone ao chão. Vidro rachado, e-mails para a operadora, pedidos de orçamento, e uma certeza: Não vou gastar dinheiro nisso.

Mas hoje tudo isso mudou, fui ao Babilónia e escolhi uma loja de paquistaneses (acho) para pedir um arranjo. Durante 30 minutos, aquele jovem sem aparente formação, luvas ou bata branca, abriu, desaparafusou, desmanchou, atendeu clientes, cumprimentou amigos, falou ao telefone em paquistanês (acho), e ainda teve tempo para iniciar a reparação de outro telefone. Tudo isto podia ter corrido muito mal, mas não correu. estranhamente o i-phone está reparado e por um preço muito abaixo das minhas mais loucas expectativas.

É por isso com amor, que te agradeço por esta lição. Ele não estudou como eu, não teve mesadas como eu, nem comprou uma casa, nem escreve peças de teatro como eu. Ele aproveitou a oportunidade e é, claramente, melhor do que eu, sabe reparar coisas, para além das que já deve ter produzido para mim noutras paragens. Se eu sou artista, então este paquistanês é um génio! Ou no mínimo é uma grande personagem do mundo atual.

Ps: Em choque, esqueci-me de perguntar-lhe o nome, mas reparei que já tinha um pequeno filho na loja ao lado.


Obrigado,
Pedro Saavedra (um artista português)
21 de Janeiro de 2014

Querida Loja dos Chineses,

Obrigado por tudo o que já fizeste pelo meu país, nem sempre tenho oportunidade de te agradecer, a tua extensa prateleira de tudo e mais alguma coisa, e o teu extenso horário de funcionamento, mas a verdade é que tu mudaste o meu país. Antes de tu apareceres, nós tínhamos de trabalhar em fábricas a produzir coisas feias e desinteressantes, como parafusos, cabos elétricos, vasos, detergentes, casacos de napa e chinelos de quarto. Era uma vida difícil, em que todos os nossos dias eram iguais, a caminho de uma fábrica, ou de um campo agrícola, com bom ou mau tempo. Antes, nós passávamos os dias a trabalhar em coisas insignificantes, com mecanismos repetitivos e resultados pouco criativos. Nós produzíamos coisas e éramos infelizes, tu, felizmente, vieste mudar isso tudo. Não posso deixar de agradecer a maneira como fizeste baixar os preços em tudo o que nós dantes produzíamos, em como nos permitiste parar de trabalhar, e passar a comprar tudo, o que tu podes produzir para nós comprarmos. Porque nós, precisamos de sentir coisas, de sonhar coisas e de ser felizes. Como tu já percebeste isso, de que nós já não temos vontade, ou capacidade de trabalhar, tomaste conta dos nossos bancos, das nossas seguradoras, da nossa energia elétrica, mas ainda nos hás-de ajudar mais e tomar conta das nossas estradas, dos nossos prédios, das florestas, das águas, e até dos nossos ares, se nós precisarmos disso. Vou então, tomar a liberdade de te fazer um pedido, que me diz muito, peço-te por favor que para além das Lojas dos Chineses, abras também Museus dos Chineses, Teatros dos Chineses, Cinemas dos Chineses, Mosteiros dos Chineses, Centros Históricos dos Chineses. Era uma maneira de nos continuares a ajudar, mas de não nos deixares fazer parar de sentir. Achas que nos podes ajudar?

Ps: “De nada vale tentar ajudar aqueles que não se ajudam a si mesmos.” Confúcio


Obrigado, e Vénia,
Pedro Saavedra (um artista português)
9 de Janeiro de 2013

Querido Panteão Nacional,

Como todos os povos, os portugueses precisam de heróis, de mitos que percorram a sua vida quotidiana e que nos (também eu sou português) façam sentir especiais. Eusébio, o pantera negra, não nasceu português, como hoje é nascer português, mas quando nasceu, Eusébio era português. E foi como português que fez os portugueses vibrarem. Nele, os portugueses viram que podiam ser mais do que, apenas, os livros da quarta classe ensinavam. Nele, os portugueses descobriram um novo tipo de herói, não marcial, não martirizado, não perdido no meio de um qualquer deserto africano. Nele os portugueses brancos da metrópole, pela primeira vez, sentiram que um negro era melhor do que eles próprios. Nele, os portugueses ganharam orgulho, e nisso o futebol, substituiu os exércitos, que nunca mais teremos. Com Eusébio, o GOLO! substituiu, para sempre, o FOGO!

Por isso, querido Panteão Nacional, jogar como o Eusébio da Silva Ferreira jogou é escrever como Almeida Garrett escreveu, protestar como Humberto Delgado protestou ou cantar como a Amália Rodrigues cantou. Vê lá, então, se arranjas um espaço dentro de ti para um homem que representa o fim de um Portugal e o início de outro. E já agora, nesses re-arrumos deixa espaço para mais heróis nacionais, como o Saramago, e outros tantos, de tantas outras áreas da cultura que tens de representar, porque todos estes heróis são cultura portuguesa, com certeza!

Ps: Já quase não te sobram heróis do passado, teremos mesmo de construir juntos novos heróis, e isso vai dar trabalho, mas vai, mais tarde ou mais cedo, acontecer, fica atento por favor.


Obrigado e Abraço,
Pedro Saavedra (um artista português)
6 de Janeiro de 2013